sábado, 6 de agosto de 2011

Relações entre filósofos: Karl Marx


No pensamento de Karl Marx e Friedrich Engels podemos rastrear a influência directa de Hegel, Feuerbach e os economistas clássicos, Smith Ricado. De Hegel procede a visão dialéctica da história, a qual Marx concebe como o resultado da superação das contradições internas que se manifestam na realidade social.

Hegel explica a história como um processo dialéctico através do qual a razão ou espírito torna-se cada vez mais consciente de si mesmo. O processo dialéctico consiste na superação das contradições mediante uma nova compreensão que permite demarcar os elementos contraditórios em um nível superior, de maneira que sejam coerentes. Marx constrói seu esquema dialéctico de origem hegeliana, mas aplicando-a não na razão, senão ao processo material da vida do homem. Assim, a história se explicaria como um processo no qual aparecem classes com interesses contrapostos, e esta oposição conduz a uma transformação da sociedade afim de superar as contradições entre as distintas classes. Este processo culminaria com o triunfo do proletariado e a superação definitiva da divisão da sociedade em classes.

De Feuerbach recorre basicamente o giro materialista frente ao idealismo hegeliano. E dos economistas clássicos, o enfoque econômico de sua teoria social.

Feuerbach enfrenta-se às questões discutidas por Hegel negando que a realidade seja assimilável ao espírito, à razão. A realidade, incluindo o homem, caracteriza-se pela materialidade, pelo que empiricamente pode-se verificar. As produções espirituais do homem tão somente são um produto secundário que se explica em função das condições materiais em que vive. Marx adoptará este ponto de vista, mas criticará a Feuerbach por não ser capaz de compreender que as condições materiais em que vive o homem estão submetidas a um processo histórico determinado por leis econômicas, e que este processo histórico, ao determinar os câmbios sociais, comportará também mudanças na esfera das produções culturais.

Marx e Engels criticaram duramente as "deficiências" dessas correntes de pensamento. Criticaram o idealismo de Hegel, segundo qual é a razão a característica essencial do homem e por conseguinte todo o decorrer histórico é visto como o desenvolvimento das ideias da humanas, sem que o aspecto material da vida humana seja relevante ou tomado em conta. Criticaram também a Feuerbach, porque, apesar de haver entendido o homem como um ser vivo natural com necessidades materiais, não soube ver que o fundamental nele é a atividade material, é dizer, o trabalho. E finalmente, os economistas. Esses se limitaram a descrever as relações naturais e necessárias, justificando assim a dominação de uns homens por outros.

Também na filosofia grega - Platão e Aristóteles - e na filosofia moderna - Descartes e Hume -, assim como os autores ilustrados - Rousseau e Kant -, ao descrever ao homem, colocam em segundo plano sua materialidade. Em todos eles, a espiritualidade humana, a razão e suas paixões, é a senha de toda explicação sobre qualquer acto humano. Por outra parte, ao tratar sobre a sociedade, ou a política, os processos econômicos e os processos históricos que se desencadeiam, são ignorados.

O pensamento marxista situa-se, junto com Nietzsche e Freud, dentro da corrente filosófica denominada "filosofia da suspeita". Ainda que tenham questões filosóficas muito diferentes, sem embargo, os três coincidem em rechaçar a interpretação ilustrada do homem como ser racional e a sociedade ocidental como um contínuo progresso dirigido pela razão, pois junto a esse aparente progresso do Ocidental, existe algo mais obscuro, e mais potente que a própria razão humana.

No caso de Freud, se trataria do inconsciente. Segundo Nietzsche, a sociedade ocidental caracteriza-se por impor um modo de vida que destrói o impulso vital, a vontade de poder, condenando o homem a uma vida medíocre. No que correspondente a Marx, o progresso  ocidental baseia-se em relações sociais que tem como principio a exploração do homem pelo homem, relações de domínio que estão escondidas e que só vêem uma luz - como o inconsciente no caso de Freud, ou o querer, a vontade de poder em Nietzsche - a partir de uma crítica radical desta mesma sociedade.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Karl Marx: infraestructura e superestructura


Assim como tive oportunidade de apontar em outra ocasião, a estrutura económica de uma sociedade, assim como nos diz Karl Marx, está formada pelo conjunto de relações de produção que se dão nessa sociedade. As relações de produção são as que se estabelecem entre os diferentes agentes do processo produtivo. Trata-se fundamentalmente das relações que mantém os trabalhadores e os burgueses, é dizer, os proprietários dos meios de produção. Essas relações mudaram ao largo da evolução histórica do processo produtivo. O elemento definitório das relações de produção é a relação de propriedade dos meios de produção. No sistema econômico capitalista, o trabalhador somente possui seu próprio trabalho e o patrão é o proprietário dos meios de produção.

Esta estrutura ou infraestrutura econômica e social é o elemento determinante, a base real da superestrutura jurídica, política, religiosa e ideológica. Para a tradição idealista, o ser humano se caracterizava por sua consciência - a razão, as idéias, o espírito, o conhecimento, a moralidade, em resumo, a ideologia - que é superior e autônoma. Marx inverte esta perspectiva idealista e considera que a consciência não é autônoma, senão que depende de causas económicas, do processo de produção e das relações sociais. Um camponês, por exemplo, não é um camponês porque tenha idéias de um camponês, senão que é seu papel no processo de produção o que determina ou, como mínimo, condiciona suas idéias ou sua consciência social de camponês. A consciência social, junto com outros produtos intelectuais do ser humano como valores éticos e estéticos, suas idéias religiosas, o direito, etc., forma a superestrutura ideológica, jurídica e política que depende sempre da estrutura econômica e social.

O materialismo histórico de Marx marca acertadamente a importância do fator econômico na história. Sem embargo, é mais discutível considerar que toda a história fundamenta-se integralmente na economia e que todos os outros aspectos - ideológicos, jurídicos, políticos, filosóficos, culturais, religiosos, etc. - sejam uma mera superestrutura explicável por um componente econômico da vida humana. O componente econômico é sem dúvidas muito importante, mas desde uma perspectiva global é um componente parcial e em alguns casos secundário.

A teoria da estrutura-superestrutura não sustenta simplesmente que a existência da consciência social exija a existência de relações de produção; senão que afirma que os tipos específicos de consciências sociais - atividades políticas e intelectuais - existentes nas sociedades divididas em classes podem explicar-se a partir das formas específicas da organização econômica e social. Esta afirmação não é nenhuma simplicidade, é uma afirmação que pode-se considerar falsa e, de facto, alguns marxistas, como o filósofo norueguês Jon Elster, acredita que os fenômenos políticos e intelectuais - ideológicos - tem um considerável grau de autonomia e podem, inclusive, contribuir à explicação dos fenômenos econômicos. Também o pensador alemão Max Weber (1864-1920), por exemplo, sugere que o protestantismo, como fenômenos ideológico, teve uma grande influencia causal no desenvolvimento do capitalismo.

A crença de Marx segundo a qual a superestrutura política está condicionada ou causada pela estrutura económica é um elemento básico de sua teoria da história. Se esta crença resulta falsa, o materialismo histórico de Marx tem que modificar-se em aspectos importantes.  Não obstante, Marx, como todos os grandes pensadores da história da filosofia, é um clássico no sentido de que ajuda a repensar criticamente os temas sobre os quais reflectiu e, em muitos casos, se equivocou; o próprio Marx dizia: "pelo que a mim corresponde, não sou marxista".

Goya



Francisco de Goya e Lucientes nasceu no dia 30 de março de 1746, em Fuendetodos, aldeia da província de Zaragoza, Espanha, que vivia da agricultura assim como maior parte da península Ibérica no século XVIII. Viveu bastante para os padrões de sua época; morreu aos 82 anos, em 1828. Conheceu, dessa maneira, a Espanha do final do século XIII e princípio do XIX; período no qual cinco monarcas sentaram-se no trono espanhol: Fernando VI (1746-1759), Carlos III (1759-1788), Carlos IV (1788-1808), José Bonaparte (1808-1813) e, por último, Fernando VII, que iniciou seu reinado em 1814. Com excepção de Fernando VI, que reinou durante sua infância, e do efêmero irmão de Napolão, José Bonaparte I, os demais monarcas reinaram durante um período relativamente grande.




Goya foi dono duma capacidade ínclita de captar o fundo espiritual que demarcou os câmbios radicais de sua época. Soube expressar magistralmente em suas obras as diferentes etapas e plasmar tanto os períodos distendidos, como aqueles em que esteve comprometido ao papel de pintor da côrte.





Se as transformações daquela Espanha onde vivia foram importantes em sua constituição como artista, as que tiveram lugar pelo restante do continente europeu foram, todavia, de maior envergadura: desde o desfecho da Revolução Industrial - passando de uma economia agrária a uma economia industrial - à Revolução política que deu término ao Antigo Regime. Não somente viveu esses episódios, senão que também participou deles ao convertesse em pintor da côrte e diretor da Academia de Belas Artes de San Fernando.


Foi seu gênio artístico, de espírito inquieto, analítico e inovador, que o fez sobressair-se frente a seus contemporâneos; tais como David, Paret, ou Géricault. Sua obra reflete - por mais que haja hodiernamente uma opinião que tenta colocá-lo sob um matíz distinto - o sentimento de um liberal convencido. A certidão de tal afirmação se encontra no facto de que, por motivo desse seu talante de artista liberal adepto à modernização do país, José Bonaparte I o nomeou como seu pintor particular.



São três os períodos que poderíamos dizer que atravessou sua produção pictórica:

1. 1771-1807. É a fase da juventude e maturidade. Goya foi nomeado pintor de câmera, primeiro por Carlos III e posteriormente de seu filho Carlos IV. Etapa frutífera, em que sua produção pictórica centra-se nos cartones para a Real Fábrica de Tapices de Madrid e os retratos encomendados tanto pela família real como pela nobreza. A pintura de Goya mostrava-se, nessa época, alegre, com uma paleta ampla e rica em contrastes. Os temas eram ditados por seus clientes: a nobreza e os burgueses da Madrid do final do século. Pinta também estampas bucólicas, claramente ligadas ao gosto pela representação de brincadeiras e cenas de campo. São os quadros das "Majas y Majos" da Madrid castiça, contrastando com algumas outras obras, como "El Albañil Herido", aonde Goya reflete a outra face de cidade, a dos grupos menos favorecidos.






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2. 1808-1824. A segunda fase inicia-se com a instalação e conseqüente queda de José B. I. Goya era um homem aberto a mudanças e devido a seu ideário liberal alimentava um possível despertar espanhol. Mas realidade foi distinta, desenganou-o, e marcou de maneira nodal sua obra a partir de 1808. Foi esta a época das pinturas negras, de seu distanciamento pessoal, da perca da ilusão por ver uma Espanha renovada. Mas foi, também, a época em que produziu suas obras mais conhecidas: "Los Fuzilamentos de la Mancloa" e "La Carga de los Mamelucos", quadros de marcado conteúdo histórico, pintadas seis anos depois dos sucessos que narram. Nelas, Goya compenetrou-se totalmente ante aos factos aquiescidos. Apesar de sua paleta começar a obscurecer-se, ainda são os tons claros que centram a atenção do espectador, principalmente naqueles elementos que mais lhe interessa destacar. Os traços leves e fáceis difuminam-se em favor dum maior expressionismo dos rostos, algo que chama poderosamente atenção no quadro dos fuzilamentos. Os fundos se escurecem e o céu azul imprime uma gama diferente às obras.



As pinturas negras, que pintou num momento de introspecção total, trancado dentro de casa, simbolizam o medo à repressão e o rechaço pelo comportamento de Fernando VII; a paleta do pintor vai obscurecendo-se em maior medida, a pincelada se nota mais densa - e de uma rapidez fulgurante -, o brilho desaparece para ser substituído por traços de espátula.







3. 1824-1828. Nessa terceira fase, Goya abandona a Espanha para um exílio voluntário em Buerdeos, França. Ali, uma vez que se sente longe e a salvo, volta a ser o pintor das cores claras e vivas como em seus princípios. Recupera também a temática banal, alegre, mansa. Domina a cor, sabe empregar a pincelada de maneira magistral e sem necessidade de fundos detalhados. Sabe colocar seus representados em um ambiente mais acolhedor.





Mas se Goya é conhecido por sua técnica e por plasmar a realidade que o cercava, também é pela quantidade de aquafortes que desenhou ao largo de sua vida. Neles, e através de uma vasta variedade de temas, manifestou melhor que nos quadros a visão que tinha da Espanha de sua época.





Foram cinco as séries de gravados que Goya produziu: a primeira é "Los Caprichos", que se colocou a venda em 1799. A segunda, titulada "Los Desastres de la Guerra", feita entre 1810 a 1820, sendo publicada somente 30 anos depois de sua morte em 1863, em plena crise do sistema liberal espanhol. A terceira serie foi "Los Disparates", formada de gravados em que Goya expressa o quão absurdo foi viver na Espanha que viveu, aonde as ideias liberais e a realidade pareciam contrapor-se. Completam o grupo "La Tauromaquia", uma produzida em território espanhol e outra no exílio, em 1825, próximo a sua morte.